Minha relação com os Alaska (dupla formada por Gustavo Moraes e Marco Lafer) surgiu há algum tempo. Poderia dizer que quebrei alguns galhos de última hora em certos projetos e também trabalhei em segundas unidades de outros. Sou muito fã do trabalho deles. Nessas experiências tive a oportunidade de filmar com fotógrafos que eu admiro muito, como Pierre de Kerchove, Maurício Padilha e Daniel Belinky.
Como tenho uma relação de amizade com o Marco, sempre trocamos referências de filmes e aos poucos descobrimos nossas afinidades estéticas. Eu e Gus tivemos trocas também sobre questões técnicas, que evoluíram durante esse tempo de relação, o que permite termos uma sintonia muito boa durante os sets. Acredito que foram todas essas coisas que fizeram com que eles me chamassem para fazer a fotografia do clipe de Duda Beat. Fiquei muito feliz e animado com o convite mas também confesso que fiquei um pouco apreensivo sem saber se já era a hora certa de abraçar um projeto complexo como é de costume no trabalho deles.
Por causa da pandemia, demoramos alguns meses para começar a filmar. De certa forma isso permitiu que o projeto tomasse forma com mais calma. Quando cheguei, o roteiro já estava bem definido, mas a estética foi uma construção muito conjunta, que me lembrou a forma de trabalhar com meus amigos nos meus primeiros clipes. Na primeira reunião com a diretora de arte Carol Ozzi, ela abriu o laptop e nos jogou uma bomba de referências visuais. Foi a partir do olhar dela e das ideias dos Alaska que eu trouxe as minhas referências de fotografia.
Passamos juntos por muitas referências do universo cyberpunk e a partir daí eu trouxe alguns filmes que gosto. Um deles foi “O Lago do Ganso Selvagem“, que usei como inspiração para alguns planos, como a silhueta logo antes da primeira aparição de Duda Beat.
Muitas ideias que surgiram nessa primeira reunião continuaram muito presentes no clipe até o resultado final. Como diretor de fotografia, é muito bom quando temos uma base bem pensada e ao mesmo tempo estamos abertos para improvisos. Marco, que desenha muito bem, fez um primeiro storyboard, o que ajudou muito quando começamos a visitar as locações informalmente, sem envolver demais a estrutura de produção. Chegamos a ir duas vezes nas locações antes de fazer a visita técnica. A partir dos desenhos, usamos o celular para simular as movimentações de câmera de todos os planos desenhados até então, isso se tornou um videoboard. Definimos toda a decupagem ali, e mudamos apenas algumas coisas nos eixos de câmera.
Foi importante produzir esse videoboard para que todos os departamentos visualizassem os enquadramentos, movimentos de câmera e intenções de efeitos de pós produção. Junto com os gaffers (Werick Dino e Jubel Magrão) e o maquinista (Rodrigo Fidelis) consultamos o vídeo diversas vezes como uma espécie de cola durante as filmagens.
A maioria das cenas são externas filmadas nas ruas do centro de São Paulo, então não tínhamos total controle das locações. Por exemplo, em uma das cenas, eu e a Carol pensamos em um set up de luzes e cortina. Foi uma solução encontrada para uma locação (externa-fachada-academia) em que não podíamos abrir a porta. Isso deu uma ilusão de profundidade para um fundo teoricamente chapado. Essa ideia surgiu para que fosse possível casar com a cena interna da academia. Até o momento de acender as luzes, eu não sabia se iria funcionar, pois a cortina estava praticamente encostada na porta.
Em relação aos equipamentos, adotamos a ARRI ALEXA Mini. Chegamos a conversar sobre filmar em Large Format com uma ARRI ALEXA Mini LF, mas seria caro. Decidimos seguir com uma estética mais suja e ao mesmo tempo com a possibilidade de usar zoom Cooke 20-100mm, T3.1 Varotal zoom combinado com Steadicam.
No open gate da Alexa Mini, na lente às vezes surgiam umas vinhetas e flares meio estranhos, mas tudo dentro da textura que optamos. Complementamos com as lentes fixas, ZEISS Standard Prime T2.1. Elas são pequenas e têm um look bem interessante.
A base das cores são o vermelho, um amarelo que cumpria o papel do tungstênio e um azul que, na verdade, é um branco ultrafrio de 10 mil kelvin. Em certos momentos usávamos também um verde para destacar a fumaça. A temperatura na câmera estava em 3.200 kelvin, então o frio gritava mais azul.
Em muitas cenas, atacamos o rosto de Duda Beat com luz amarela, algo teoricamente difícil de fazer com uma cantora pop, mas aquilo era o nosso branco. O amarelo foi sempre específico e programado para ser o “branco”, e isso variava de acordo com as cabeças de luz que estávamos usando: Astera, SkyPanel, KinoFlo Select, ARRI L10-C, etc.
Muitas das referências cyberpunk são filmes noturnos com uma estética carregada. Uma distopia tecnológica. A fumaça ajuda a trazer um volume para os cenários escuros. O nosso kit de ataque básico, nas duas unidades, eram dois ou três pontos de poucas luzes com as cores pré-selecionadas. As fumaças ficam no fundo das cenas, iluminadas com ARRI L10-C ou ARRI L7-C. Usamos também alguns faróis de caminhões da produção para iluminar paredes nas ruas.
Nas cenas da academia, eu queria usar luzes diegéticas, luzes práticas, que aparecem em cena. Na visita técnica, entretanto, percebi que as paredes eram muito brancas. Carol conseguiu sujar bem com cartazes e um gradil nos tetos. Juntando a fotografia com a arte, espalhamos tecido de TNT no teto, o que ajudou a negativar e trazer densidade para as cenas, evitando que as luzes se espalhassem demais, além de desempenhar também um papel estético. O maquinista Rodrigo Fidelis também montou barracudas muito bem disfarçadas para encaixar painéis Select sem a carcaça.
Na locação da academia, gostamos de um tatame e o aproveitamos para a cena que simula um efeito Matrix. No teto havia um buraco que era quase uma
claraboia. Preferi preencher ela de luz. A primeira ideia era usar um acrílico leitoso, mas não daria para produzir. O maquinista Rodrigo Fidélis fez uns sarrafos por dentro para prender uma lycra branca e em cima montou barracudas para dois SkyPanel 120-C. Para deixar os atores naquela posição, colocamos um banquinho embaixo do ator Uyl Neto (Uyll) para apoiá-lo na altura do abdômen, enquanto a atriz Kitty Katt o sustentava pelo braço. É um plano de Steadicam que chega em low mode e gira em torno dos atores. Quem fez essa unidade foi o Rafael Giacondino e a steadicam foi operada por Nicholas Zugaib, o Zuga.
Nas cenas da academia, eu queria usar luzes diegéticas, luzes práticas, que aparecem em cena. Na visita técnica, entretanto, percebi que as paredes eram muito brancas. Carol conseguiu sujar bem com cartazes e um gradil nos tetos. Juntando a fotografia com a arte, espalhamos tecido de TNT no teto, o que ajudou a negativar e trazer densidade para as cenas, evitando que as luzes se espalhassem demais, além de desempenhar também um papel estético. O maquinista Rodrigo Fidelis também montou barracudas muito bem disfarçadas para encaixar painéis Select sem a carcaça.
Na locação da academia, gostamos de um tatame e o aproveitamos para a cena que simula um efeito Matrix. No teto havia um buraco que era quase uma claraboia. Preferi preencher ela de luz. A primeira ideia era usar um acrílico leitoso, mas não daria para produzir. O maquinista Rodrigo Fidélis fez uns sarrafos por dentro para prender uma lycra branca e em cima montou barracudas para dois SkyPanel 120-C. Para deixar os atores naquela posição, colocamos um banquinho embaixo do ator Uyl Neto (Uyll) para apoiá-lo na altura do abdômen, enquanto a atriz Kitty Katt o sustentava pelo braço. É um plano de Steadicam que chega em low mode e gira em torno dos atores. Quem fez essa unidade foi o Rafael Giacondino e a steadicam foi operada por Nicholas Zugaib, o Zuga.
O steadicam tinha que dialogar diretamente com os olhares de Duda Beat e encontrar o eixo de cada situação, às vezes mais direcionado para a lente, às vezes em um ponto mais para baixo, meio cruzando ou atravessando o espectador. São detalhes difíceis de acertar e o Zuga teve muita sensibilidade em sincronizar os movimentos com os atores. A câmera muitas vezes começa colada no rosto, distancia-se e depois reencontra. São planos muito difíceis de fazer com uma lente zoom e todo um equipamento muito pesado. Precisávamos entender essa dinâmica para dançar com o elenco no mesmo flow. Quando o vampiro entra na academia, por exemplo, a câmera o acompanha e descortina para depois fechar no rosto da Duda.
Quando a Duda Beat está dentro dos corpos das criaturas, filmamos ela de costas em um chroma. Para as imagens do rosto dela nesses momentos, simulamos uma espécie de orifício através do qual a luz atravessaria e projetaria uma forma oval amarela no meio do seu rosto. Foi um dedolight 150w com lente focal, bem de perto, com uma grande angular colada no rosto dela. Foi toda uma negociação de ângulo de câmera e luz para evitar o surgimento das sombras do nariz e da própria câmera.
A maioria dos traveling in com lente fixa foram feitos com o operador de steadicam correndo, uma coisa meio maluca, muitas vezes com o chão molhado. A chance de perder o eixo é muito grande e aconteceu.
Na primeira cena em que o rosto de Duda Beat aparece, surge a silhueta e depois a gente encontra com ela. Era um low mode super baixo, mas a câmera tinha que subir até a altura dela. Essa subida é muito difícil de fazer, então construímos uma rampa oculta no cenário.
A corrida de Uyll com os pés de fogo foi filmada a partir de um carro de reboque em movimento com uma plataforma bem baixa. Colocamos uma grua em cima, daquelas bem antigas e robustas, que carregam operadores de câmera. Na ponta do braço, seis metros para fora, prendemos os cabos que suspendem o ator e um SkyPanel de 30 que pulsava. A câmera ficava bem baixa, na extremidade da plataforma. O fogo dos pés era real, com chamas controladas com segurança por Martão.
Usamos um drone de luz do Renato Passarelli para iluminar a cena do corpo em flutuação. A luz tinha que vir de cima, como se Duda fosse ser abduzida. Foi muito legal, mas é um plano complexo. A bateria do drone dura apenas 8 minutos. As luzes ficam presas em um MoVI, que tornam a estrutura grande, com risco de bater nos cabos dos postes do centro de São Paulo.
Na cena das bikes, o segredo é a pós-produção. Filmamos tudo aquilo durante o dia em uma Noite Americana. Inicialmente esse momento seria um ciclo solar completo, mas, à medida em que filmamos as outras sequências e olhávamos o material, aos poucos percebemos que não faria sentido ser dia. Tinha que ser noite.
A única iluminação, por ser uma diária de equipe reduzida, foi um HMI de 4K watts que usamos para subir o rosto do cantor Trevo, que é o personagem principal desse momento. Como iríamos trazer densidade e abaixar tudo na pós, era muito provável que o rosto dele descesse muito também. Filmamos em um dia nublado, entre sombras de prédios. O que mais reforça a atmosfera noturna são as janelas com luzes acesas nos prédios, que foram inseridas na pós. Cirilo confirmou que funcionaria e minha insegurança acabou nesse momento.
Depois de filmar os personagens pedalando na rua, filmamos o voo das bicicletas em um estacionamento a céu aberto, onde montamos duas paredes de chroma key com seis metros de altura. Era uma espécie de estúdio externo, quase sem iluminação.
No chroma, tínhamos que repetir as mesmas angulações das cenas de rua. Filmamos os movimentos de vários ângulos com um Freefly Mōvi Pro e uma girafa eletrônica que eu operei pelo Mimic do Mōvi. As bikes eram suspensas por cabos montados por Martão, super profissional dos efeitos. Usamos apenas dois cabos na frente e um atrás, para evitar atravessar os rostos dos atores. A única vez que usamos MoVI no filme foi nessa meia-diária.
Para simular o interior daquela ambulância-camburão do futuro, filmamos dentro da caçamba de um caminhão-baú pequeno, onde Carol montou esse cenário de ambulatório meio reptiliano. Vi que só precisávamos de uma Astera principal amarela e um feixe vermelho que vem de fora através de um buraco. Não tinha como inventar muito. A ideia era ter a luz prática como base, mas com outra cor para quebrar o monocromático e conversar com o resto do clipe. Quando a luz interna apaga, aquele vermelho domina o momento de ação.
A explosão do final também foi real. Foram três takes, com três explosões. O fogo é verdadeiro e nem precisamos incrementar muito na pós. O primeiro take é mais difícil de fotometrar porque você não sabe exatamente a intensidade que vai surgir, que pode deixar tudo superexposto e clipar as chamas. Outra variável era a própria Duda Beat, que também não conseguiu disfarçar o susto na primeira explosão. O movimento de câmera é uma abertura de zoom com slow motion.
Esses foram alguns detalhes técnicos desse filme. Além de ter sido um grande aprendizado profissional, experimentei técnicas novas como diretor de fotografia. Fiquei muito feliz com o resultado. E claro que tudo isso só é possível com uma equipe super competente, alinhada e criativa.
Esses foram alguns detalhes técnicos desse filme. Além de ter sido um grande aprendizado profissional, experimentei técnicas novas como diretor de fotografia. Fiquei muito feliz com o resultado. E claro que tudo isso só é possível com uma equipe super competente, alinhada e criativa.
Finalista do Prêmio da ABC (Associação Brasileira de Cinematografia) em 2017 pela fotografia do curta-metragem estudantil “Obrigados”, Fabio Politi é formado pela Faap (Fundação Armando Álvares Penteado) e atua em São Paulo. Em 2018, fotografou o curta “Jacky and the BeantCoinstalk”, participante do projeto “Iconic Stories in 6”, promovido pelo YouTube no festival norte-americano South by Southwest (SXSW), assinou a cinematografia do documentário “FYA: Um Filme Remix sobre o Dancehall da Quebrada”, lançado na plataforma 4:3 do canal britânico Boiler Room e o documentário “O Canto das Pedras” vencedor de melhor filme no Circuito Penedo de Cinema. Em 2019 fez o curta-metragem “Amor aos 20 Anos”, exibido na mostra competitiva do Festival de Gramado. Atualmente tem trabalhado como diretor de fotografia de comerciais e videoclipes de artistas e marcas como Duda Beat, Xênia França, O Terno, Djonga, Emicida, MC Donalds, Puma, Nike, Nissan, Tigre, Rappi, dentre outros.