Como preparativo para a Semana & Prêmio ABC 2021, reunimos algumas memórias de sócias e sócios sobre a fundação da Associação Brasileira de Cinematografia e a criação de seus dois principais eventos
Em 2013 fizemos uma reportagem especial em que entrevistamos alguns dos diretores de fotografia que estiveram envolvidos nas primeiras tentativas de fundar um coletivo de profissionais da cinematografia ainda na década de 1970. Por um lado, no Rio de Janeiro, profissionais se reuniam, em especial em torno do Museu de Arte Moderna (MAM), com o intuito de construir uma entidade que pudesse aproximar profissionais, atuar no reconhecimento da profissão e facilitar a troca de informações e experiências num contexto em que a comunicação era mais difícil e a formação era basicamente construída no dia a dia com a prática dos sets de filmagem. Por outro, em São Paulo, sem nenhuma relação com o grupo carioca, profissionais também estavam dialogando com objetivos parecidos, mas com uma proposta inicial de cunho mais sindical. Naquela ocasião, em nenhum dos casos as ideias avançaram, sendo a dificuldade de realizar encontros presenciais um dos principais motivos que impediu que os projetos fossem concretizados em ambos os estados.
Alguns anos depois, em 1985, com uma aproximação maior entre profissionais que estavam no Rio e em São Paulo, aconteceu uma nova tentativa de pensar numa associação nos moldes da ABC. Segundo as recordações do diretor de fotografia Lauro Escorel, esse encontro aconteceu no Festival de Cinema de Gramado, que a partir da década de 1980 começou a fomentar discussões sobre arte e cultura nos espaços do evento: “Em Gramado se reuniram representantes de diretores de fotografia do Rio e de São Paulo que fizeram um manifesto e assinaram uma espécie de assembleia, refundando uma associação brasileira de cinematografia, de caráter nacional. Estavam presentes também, que eu me lembre, Antonio Luiz Mendes, acho que o Pedro Farkas, o Lúcio Kodato, o Antonio Meliande e o Zé Bob. Só que de novo o passo era maior do que a perna e a gente não foi muito adiante”.
Entretanto, foi também em 1985 que foi criado o Centro Técnico Audiovisual – CTav, fruto de um acordo de cooperação entre a Embrafilme e o National Film Board – NFB, do Canadá, que contou com nomes como Walter Carvalho como chefe de apoio tecnológico e Affonso Beato como diretor. Nesse espaço aconteceram muitas reuniões de profissionais que geraram alguns frutos, como a elaboração do manual “Recomendações técnicas para projeções cinematográficas”, que resultou na norma técnica “NBR12237 – Projetos e instalações de salas de projeção cinematográfica”, publicada pela Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT, em 1988. Entretanto, com a extinção da Embrafilme, em 1990, todo esse movimento estagnou e só voltou à atividade no final dessa década após a retomada da produção do cinema brasileiro.
Em 2 de janeiro de 2021, a Associação Brasileira de Cinematografia (ABC) completou 21 anos. Sua história, que como veremos é anterior à data de sua fundação, nos ajuda também a entender um pouco do desenvolvimento do cinema e audiovisual brasileiros. Atualmente, são mais de 450 pessoas associadas, que trabalham em diferentes áreas da cinematografia, como direção de fotografia, direção de arte, som, montagem, finalização, conservação, restauração e ensino, com a presença de estudantes, professoras e professores. Ao longo dos anos, a ABC atuou em distintas frentes com o intuito de ampliar o aperfeiçoamento técnico e artístico do cinema produzido no país, como também o aprimoramento das relações entre profissionais e de ações para uma produção mais plural e diversa.
Hoje, após 21 anos de transformações, a ABC é associada à IMAGO (International Federation of Cinematographers), entidade que conta com o seu atual diretor tesoureiro, Mustapha Barat, no conselho, e à FELAFC (Federação Latino-Americana de Autores de Fotografia Cinematográfica), que a partir do próximo ano será secretariada pela ABC. Através de uma série de atividades, como oficinas e palestras, do fórum exclusivo para pessoas associadas, do site, redes sociais (Facebook, Instagram e YouTube) e do Informe ABC, além de eventos como a Sessão ABC, Prêmio ABC e Semana ABC e da ABC Cursos de Cinema, a associação busca atuar tanto para divulgar como para fortalecer o cinema e audiovisual brasileiros.
Neste texto, resultado de conversas com sócias e sócios realizadas nos últimos anos, buscamos trazer um pouco dessa história com foco na realização dos dois principais eventos da associação: Prêmio e Semana ABC.
Em 1989, seminário no CTAV discute a fundação da Associação Brasileira de Tecnologia do Cinema (ABTC) e a necessidade de criar normas técnicas para a atividade. Na mesa: Walter Carvalho, Affonso Beato, Lauro Escorel, Guy Gonçalves e Dr. Benedito Monteiro, do Laboratório Lider.
Foi por volta de 1995 que o diretor de fotografia Walter Carvalho conta que recebeu um convite para retomar o projeto de uma associação da classe: “O Lauro chamou um grupo pequeno, na tentativa de retomar a ideia da associação, que teoricamente chamávamos de associação, mas que nunca se materializava. Ele chamou umas cinco pessoas, me lembro bem de Antonio Luiz, numa produtora que nem existe mais, numa casa que foi derrubada na Pacheco Leão de um cara que chamava Frazão. A gente se reuniu ali umas duas ou três vezes e depois de algum tempo aconteceram também alguns encontros na casa do próprio Lauro”, diz.
Apesar de nesse momento a ideia ainda não ter se concretizado, pouco tempo depois, em 1998, os diretores de fotografia Carlos Ebert e Hugo Kovensky enviaram um e-mail para um grupo de fotógrafos que resultaria finalmente na criação da ABC. Ebert relata que foi durante um evento realizado pela Kodak do Brasil, que em São Paulo foi no Centro Cultural Vergueiro, que ele teve a ideia de enviar o e-mail que resultaria na fundação da associação. “Durante o seminário, conversando com o Hugo Kovensky, eu pensei alto: ‘Por que a gente não aproveita essa nova ferramenta de comunicação? Todo mundo na nossa área é ligado à tecnologia, estão praticamente todos com internet, por que a gente não faz uma associação, em primeira instância, virtual?’ Pensei isso porque a internet eliminaria a nossa principal dificuldade: a reunião física, que a gente tem em função da natureza do nosso trabalho. Kovensky achou boa a ideia. Estavam presentes também outros colegas, que eu peguei os e-mails, e também tinha em mente especialmente o Lauro e o Affonso Beato. Eu e o Kovensky primeiramente fizemos um e-mail lançando a sugestão, mandamos e houve uma receptividade muito boa e as respostas foram voltando”, lembra o diretor de fotografia.
Para Lauro Escorel o e-mail enviado por eles vinha de encontro com esse desejo da categoria de muitos anos, que agora via a possibilidade de existência virtual. “Pelo que eu me lembro, o e-mail teve 100% de respostas positivas”, disse. As pessoas que receberam o primeiro e-mail indicavam e convidavam profissionais de todo o país para integrarem a lista que começava a crescer e se consolidar. Para concretizar o desejo de fundar efetivamente a ABC e ampliar a sua atuação para o mundo real, Escorel conta que os passos seguintes foram criar o estatuto, eleger a diretoria e registrar a associação. Com o estatuto escrito e a diretoria eleita (com Carlos Ebert como presidente, Walter Carvalho como vice, Affonso Beato como diretor secretário e Renato Padovani como diretor tesoureiro), a ABC foi registrada no ano 2000 e, além do espaço virtual, passou a atuar também no espaço “real”.
Apesar de ter sido primeiramente pensada para agregar apenas profissionais da direção de fotografia, logo percebeu-se a necessidade de incluir profissionais de outras áreas da cinematografia, o que diferencia a ABC da maior parte das associações do gênero pelo mundo. Para a atual presidenta da associação, a técnica de som Tide Borges, “hoje em dia o trânsito de informação entre os departamentos que realizam uma obra audiovisual é supervalorizado. Uma decisão depende de outras. A ABC é uma comunidade na qual estas informações circulam com maior velocidade e isso é uma forma de organização muito avançada. Acho que demos um passo à frente em relação às outras associações”, avalia.
O fortalecimento desse modelo foi ainda mais reafirmado com a eleição da diretoria atual (biênio 7/2020 a 6/2022), que, além de Tide e Mustapha já citados, conta também com o diretor de fotografia Jacques Cheuiche como vice-presidente e com a diretora de fotografia Fernanda Tanaka como diretora secretária. Tide é a primeira profissional que não atua na direção de fotografia a assumir a presidência da ABC, além de ser a primeira mulher a exercer o cargo. A ampliação de mais representatividade de outras áreas, bem como da diversidade de gênero, raça, sexualidade e região, é um dos principais projetos da atual gestão que tem atuado junto com a Comissão de Ética e o GT Inclusão para o desenvolvimento de políticas e mudanças que auxiliem em sua consolidação, em especial a partir da proposta de um novo Estatuto para a associação.
Em 1995, reunião de Walter Carvalho, Antonio Luiz Mendes, Guy Gonçalves e Lauro Escorel na tentativa de pensar numa nova forma de fundar a ABC. (Foto: Marina Mello e Souza)
Troféus do Prêmio ABC realizados desde a primeira edição por Charles Holmquist.
(Foto: Ricardo Alcará)
A criação e desenvolvimento da ABC buscavam cumprir com três objetivos principais, que até os dias atuais ainda são os seus principais focos: 1) formação e troca de experiências e informações entre profissionais; 2) desenvolvimento do cinema e audiovisual brasileiros e 3) divulgação da cinematografia para um público mais amplo, tanto nacional quanto internacionalmente. E é dentro desse contexto que nascem, já em 2001, o Prêmio ABC e, no ano seguinte, a Semana ABC. Lauro conta que depois do primeiro ano da associação sentiu a necessidade de apresentar a ABC para a comunidade cinematográfica e sugeriu a criação do Prêmio como uma maneira de construir esse diálogo para além do ambiente da associação: “Eu lembro que escrevi sobre isso e as pessoas adoraram a ideia e começaram a perguntar ‘quem faz?’. E eu respondi, eu faço!”.
Lauro lembra que foi conversar com empresas do setor, como Kodak, Fuji, Casablanca e Mega, para pedir apoio com a ideia de que elas oferecessem aos vencedores de cada categoria uma viagem ao exterior: “Quando consegui a confirmação das empresas, o prêmio se concretizou. Para além da ideia temos o que premiar”. A partir daí, se envolveu com a produção do evento. “Foi uma época que eu estava fazendo muita propaganda e comecei a não fazer os filmes, comecei a sair das filmagens para cuidar disso. Me envolvi muito e quem me acolheu e ajudou foi a Solange Farkas da Videobrasil”, diz. Lauro ainda contou com a ajuda de Francisco César Filho para a divulgação e, em especial, dos diretores de fotografia Carlos Pacheco e Lúcio Kodato que, ao lado de Lauro, estiveram envolvidos na produção em quase todas as edições do evento desde então.
A primeira edição ocorreu no foyer da sala Petrobras da Cinemateca Brasileira, em São Paulo, e foi apresentada por Marina Person. “Eu acho que foi a noite que mais tivemos comparecimento de personalidades da nossa atividade, deu super certo”, avalia Escorel. O Prêmio teve cinco categorias, todas voltadas para direção de fotografia, e premiou Breno Silveira (com o longa-metragem “Eu Tu Eles”), Mauro Pinheiro Jr., ABC (com o curta “O Velho, O Mar e O Lago”), César Charlone, ABC, SCU (com o episódio “Palace II” do programa de TV “Brava Gente”) e Affonso Beato, ASC, ABC (com o videoclipe “Pérola Negra” e o filme publicitário “Vento, Amyr Klink”).
A cerimônia também foi uma oportunidade de começar uma série de homenagens a profissionais importantes para a cinematografia no Brasil. Em 2001, o primeiro Prêmio ABC pela obra foi entregue ao fotógrafo Ricardo Aronovich, AFC, ABC, que veio ao Brasil com apoio da ECA-USP e do Consulado da França, através de um contato que Lauro fez com a professora e montadora Maria Dora Mourão. “A homenagem foi muito linda. O Ricardo não sabia que seria homenageado. Depois que acabou tudo ele me puxou pelo braço e disse ‘nunca mais faça uma coisa dessa, você pode matar uma pessoa do coração’”, disse Escorel, entre risos.
Para o diretor de fotografia, as homenagens são até hoje um momento importante da premiação. “Foram muitos momentos emocionantes. Uma homenagem que me comoveu muito foi a que fizemos para o Dib Lutfi. Eu liguei para todos os diretores do Cinema Novo com quem ele tinha trabalhado e falei: ‘agora é o momento de homenagearem o fotógrafo de vocês’. Tenho na lembrança a imagem de vários deles no palco aplaudindo o Dib e também a Marieta Severo lendo um texto que escrevemos, foi muito bonito”. Outra homenagem especial lembrada por Escorel foi para o diretor de fotografia Ricardo Della Rosa, no Prêmio ABC 2015, que morreu precocemente em abril daquele ano, além dos prêmios técnicos, como o entregue ao gaffer Jamelão em 2003.
Lauro acredita que essa primeira edição foi fundamental para que a comunidade cinematográfica conhecesse a ABC e ela começasse o seu percurso como uma importante instituição para o desenvolvimento do cinema e audiovisual brasileiros. A diretora de fotografia Silvia Gangemi complementa que a premiação também é um grande estímulo para a área por ser um prêmio avaliado por profissionais do setor, já que os trabalhos vencedores são escolhidos através de votação das pessoas associadas à ABC. Nesse sentido, para a diretora de fotografia Taís Nardi, é importante se inscrever para concorrer ao prêmio, pois é o momento em que é possível também mostrar o seu trabalho para colegas da profissão, o que gera diversas possibilidades de diálogos e oportunidades interessantes.
Com o tempo, o Prêmio ABC foi se aprimorando e incluindo novas categorias para dar conta da pluralidade de profissionais vinculadas e vinculados à associação e ao próprio mercado audiovisual. A edição deste ano, a maior já realizada, contou com 13 categorias: Direção de Fotografia Longa-Metragem Ficção; Direção de Fotografia Longa-Metragem Documentário; Direção de Arte Longa-Metragem Ficção; Montagem Longa-Metragem Ficção; Montagem Longa-Metragem Documentário; Equipe de Som Longa-Metragem (Ficção e Documentário); Direção de Fotografia Curta-Metragem; Direção de Fotografia Série de TV; Direção de Arte Série de TV; Equipe de Som Série de TV; Direção de Fotografia Videoclipe; Direção de Fotografia Filme Publicitário; e Direção de Fotografia Filme Estudantil, além de trazer algumas mudanças no processo de votação.
No primeiro turno, os trabalhos inscritos foram apreciados por um júri de profissionais que atuam na mesma categoria avaliada. Posteriormente, os sete trabalhos selecionados por esses júris passaram para o segundo turno que contou com a votação das demais sócias e sócios da ABC. Tide Borges considera que essa mudança foi muito positiva, pois conta tanto com um olhar mais especializado de cada área contemplada pelas categorias como com a participação das pessoas associadas. Para ela, o Prêmio ABC representa “a valorização da cinematografia das e dos profissionais e das nossas narrativas” e é uma das formas que a associação tem de apoiar o cinema e audiovisual realizados no país. Os cinco trabalhos vencedores desta 20ª edição foram anunciados na cerimônia de premiação que ocorreu no dia 17 de outubro. Nas palavras de Escorel, independente de quem levar o troféu, elaborado por Charles Holmquist desde a primeira edição, estar entre os trabalhos finalistas já é um grande prêmio!
Ainda como parte do intuito de alcançar os três objetivos descritos anteriormente, a primeira Semana ABC ocorreu já em 2002. “Quando começamos a organizar o segundo Prêmio ABC, que agora aconteceria no Rio de Janeiro, o Affonso sugeriu que não ficássemos apenas com a premiação, mas que fizéssemos algo relacionado também à difusão e compartilhamento de experiências. E a gente incorporou a ideia da Semana ABC”, conta Escorel. Beato acrescenta que a inspiração veio de um evento que ele e Lauro frequentavam nos Estados Unidos, o Cinematographer’s Day, organizado pelo diretor de fotografia Luciano Tovoli, que ficou muito popular no Festival de Palm Springs e reunia profissionais da fotografia cinematográfica de todo o mundo.
Desde então, a Semana ABC foi incorporada no calendário do setor audiovisual como um dos importantes momentos para troca de conhecimento e contato entre profissionais, estudantes, empresas e outras instituições. Carlos Pacheco, atual coordenador do evento, complementa: “Não existia nada parecido no Brasil. Antes, para poder discutir cinematografia, a gente tinha que sair do país. Não existia esse espaço para discutir questões de mercado, novas tecnologias, novos equipamentos. Com a Semana, a ABC trouxe isso para dentro do mercado audiovisual brasileiro”.
A primeira edição ocorreu no Instituto Moreira Salles, no Rio de Janeiro, e a cerimônia de entrega do Prêmio ABC no Jockey Club Brasileiro. A programação da Semana ABC 2002 contou com mesas sobre a relação entre a direção de fotografia e a direção de arte, cinema digital, som e pós-produção, temas que desde então estão sempre presentes no evento. Por muitos anos, a realização da Semana e Prêmio se dividiu entre o Rio e São Paulo. No ano seguinte, em 2003, a Cinemateca Brasileira, como coorganizadora, recebeu pela primeira vez a Semana ABC e a partir de 2012 se tornou o local oficial para sua realização.
A cada ano, o desenvolvimento da Semana e Prêmio chamava mais atenção de profissionais, mas também de empresas e instituições ligadas ao cinema e audiovisual. Além das mesas e palestras que foram realizadas desde as primeiras edições, o evento passou a promover também a feira de equipamentos e serviços, em que estudantes e profissionais podem ter acesso a novas tecnologias. Para Escorel, é bonito ver como a Semana e o Prêmio cresceram e se desenvolveram. Ele ainda reitera que isso também se deve à relação com as empresas apoiadoras: “cada apoio recebido gerava e gera novos apoios”, que são refletidos na qualidade da programação que a cada edição se reinventa e busca trazer discussões artísticas e técnicas atuais sobre cinematografia com a presença de profissionais nacionais e internacionais.
Na ocasião de uma matéria sobre os 20 anos da associação, a diretora de fotografia Kika Cunha mencionou o evento como o ápice da ABC: “A cada ano tem mais gente participando, mais colaboradores, mais empresas mostrando seus produtos e mais grandes nomes dando palestras. Acho que a ABC conseguiu se firmar como um órgão formador de fotógrafos e de pessoas do audiovisual”. Para ela, e para grande parte das demais pessoas entrevistadas, a Semana ABC é uma das principais conquistas da associação, pois amplia sua força de atuação tanto em relação ao mercado quanto ao ensino. Nas palavras do diretor de fotografia Marcelo Trotta: “quando começamos a fazer a Semana ABC houve um salto para um lugar de reconhecimento de excelência no debate das tendências e questões da indústria audiovisual brasileira. Fomos ganhando uma vocação educacional e hoje fazemos um evento super profissional e de alto nível, que é oferecido para toda a sociedade e conta com apoio de patrocinadores e entidades importantes. Para a gente isso mostra que há um grande reconhecimento dos nossos quadros e das nossas atividades”.
A diretora de fotografia Fernanda Tanaka, que este ano é uma das curadoras do evento, também conta que as edições da Semana ABC foram parte importante de seu aprendizado. “E avaliando a comunidade cinematográfica como um todo, acredito que, além de fomentar discussões técnicas, trazer as novas tecnologias para mais perto e mais rápido, a Semana ABC é um aglutinador, onde diferentes profissionais e estudantes se encontram e trocam experiências, fortalecendo a área. Dando, inclusive, visibilidade e inserção mundial”, diz.
Essa questão também é compartilhada por Taís Nardi: “Eu sempre acompanhei a Semana ABC, desde que eu era estudante. Eu anotava tudo que eu não entendia, inclusive para depois procurar, mas acho que o evento é principalmente um lugar de encontros”. Como exemplos, a fotógrafa enumera dois momentos que ocorreram no evento que foram importantes para a sua trajetória: o primeiro é uma mesa sobre educação em que reencontrou uma professora, o que a incentivou a voltar para a academia, realizar um mestrado e, atualmente, um doutorado no qual estuda a poética na direção de fotografia no Programa de Pós-graduação em Meios e Processos Audiovisuais da ECA-USP. O segundo é a primeira mesa sobre mulheres na direção de fotografia, em 2017, que a fez refletir mais sobre o machismo no audiovisual e a ajudou a se colocar e se reconhecer como diretora de fotografia.
Com experiência no mundo do teatro, o operador de câmera Nelson Kao também pôde desenvolver parte da sua formação no audiovisual na Semana ABC, que ainda o auxiliou a abrir portas para o mercado de trabalho. Em 2010, Kao passou a ajudar Lúcio Kodato na produção da Semana montando equipamentos, operando câmeras, entre outras funções. Além de suas várias histórias sobre o “por trás das câmeras” do evento, também se recorda em especial de dois momentos: as palestras com o diretor de fotografia John Bailey e com José Murilo Carvalho, que naquela época era coordenador de Cultura Digital do Ministério da Cultura (MinC), que revelou uma preocupação do evento em tratar não apenas especificamente da cinematografia, mas de diversos outros temas relevantes para a cultura audiovisual, agregando novas discussões e agentes.
Para outras áreas da cinematografia, a Semana ABC também é apontada como um importante momento de formação e troca de experiências. Como exemplo, o diretor de arte Marcos Carvalheiro comentou que foi fundamental, para a consolidação do ofício da direção de arte, o espaço que profissionais da área construíram e mantêm dentro da ABC: “Vejo como marcos importantes para nossa profissão, aqui no Brasil, as mesas de Direção de Arte com importantes profissionais de reconhecida atuação internacional que realizamos nos últimos 10 anos na Semana ABC. Esses encontros nos ‘formaram e estão a nos formar’, pois muito do que avançamos e temos consolidado dentro do departamento de arte hoje são frutos dessas discussões que foram nos amadurecendo e nos mostrando caminhos”.
Público na Semana ABC 2019. (Foto: Danielle de Noronha)
Apresentação da Kodak na Semana ABC 2003 na Cinemateca Brasileira.
Público na Semana ABC 2016 na Cinemateca Brasileira. (Foto: Mujica Saldanha)
Exposição de equipamentos e serviços na Semana ABC 2018. (Foto: Rodrigo Espíndola)
Cerimônia de entrega do Prêmio ABC 2018. (Foto: Ricardo Alcará)
Montagem com as mesas que ocorreram em outubro de 2020 na Semana ABC Virtual
Em 2020, a ABC preparava uma edição especial da Semana e Prêmio em comemoração ao seu aniversário de 20 anos. Com a pandemia da Covid-19, os planos sofreram modificações, mas a essência se manteve e a proposta se ampliou: foram 20 mesas, durante seis dias de evento, transmitidas online e ao vivo, que trataram de temas como o mercado audiovisual em tempos de pandemia, a crise atual imposta à Cinemateca Brasileira, as mulheres na direção de arte, as associações de cinematografia latino-americanas, entre outros. Apesar de ter sido um desafio, a realização do evento online foi uma importante forma de resistência ao contexto em que se encontram o cinema e o audiovisual e profissionais do setor, afetados tanto pela (anti)política cultural do atual governo como pela interrupção das produções devido à pandemia. Além disso, para Tide, o evento também ajudou a levantar a moral e a união dentro da ABC: “Foi um momento que a gente pôde nos dar apoio, no sentido de encontro. De mostrar trabalhos, de mostrar que estávamos vivas e vivos, resistentes e resilientes. De nos valorizar. Foi um esforço muito grande e não só da diretoria, mas de toda a associação. E foi muito legal ver que a gente conseguiu transmitir esse retorno positivo para a nossa comunidade”.
Em 2021, com essa mesma força, o evento seguiu no formato virtual e aconteceu de 14 a 17 de outubro, com transmissão pelo YouTube. A identidade visual da Semana e Prêmio ABC 2021 representa o objetivo central do evento deste ano: mostrar que o cinema brasileiro continua vivo! Nas palavras de Kiko Farkas, idealizador da proposta: “Já há algum tempo o cinema brasileiro vem sofrendo ataques sistemáticos de todos os lados. Existe um desejo claro de desmonte daquilo que foi construído com enorme esforço durante muito tempo. Mas o setor é forte e resiliente, e apesar das diversas tentativas de desmontá-lo ele se reinventa. A cada investida ele se recompõe. A identidade da Semana neste ano faz menção a esse processo de reconstrução. Faltam pedaços, há cicatrizes… mas estamos de pé. Resistimos”.
Tide compartilha que a programação buscará aproveitar as possibilidades que o remoto apresenta e tentará ampliar a diversidade de temas e pessoas convidadas, tanto nacional como internacionalmente. Terão mesas em parceria com a IMAGO e FELAFC, além das tradicionais sobre direção de fotografia, direção de arte, montagem, finalização, ensino e som e das apresentações das empresas patrocinadoras, como Spcine e Canon. “Também estamos organizando uma mesa para falar sobre políticas afirmativas e o audiovisual brasileiro, entre outras”, diz. “Estamos muito empolgadas e empolgados com a Semana e o Prêmio deste ano. Foi um trabalho intenso para todas as comissões de seleção, em que envolvemos muitos e muitas associadas, tanto no Prêmio quanto nas mesas da Semana. Então é um momento de muita alegria. E a gente deve essa alegria também para nossa comunidade”, complementa Tide. A programação completa será divulgada em breve.
No site da ABC é possível conferir os trabalhos finalistas e vencedores de todas as edições do Prêmio ABC, além da programação das edições passadas da Semana ABC, que estão, em sua maioria, disponíveis na íntegra no canal do YouTube da associação. O acesso a essas mesas e palestras, além de contribuir para a formação de profissionais de diversas áreas do setor, ainda auxilia na construção da memória do nosso cinema e audiovisual, em que podemos acompanhar através dos temas, enfoques, equipamentos e exemplos as transformações estéticas, técnicas, sociais e políticas que a produção e reprodução de imagens e sons vivenciam constantemente.