Considero que “Marighella” talvez seja o projeto mais importante que eu já fiz, tanto por meu envolvimento pessoal quanto pelas questões políticas. Foi muito difícil ter que esperar tanto tempo para ver o filme na tela por motivos políticos e por causa da pandemia.
Marighella é um filme muito importante para os dias que estamos passando. Tenho certeza de que o filme irá acontecer mesmo que não tenha tanto público quanto teria antes da pandemia.
Apesar de já ter uma experiência de set monstruosa, esse é o primeiro longa-metragem de Wagner Moura como diretor. Todas as nossas conversas que antecederam o projeto foram fundamentais para entender o que o Wagner queria.
Fotos: Ariela Bueno, Fabio Bouzas e Fernanda Frazão
Considero que “Marighella” talvez seja o projeto mais importante que eu já fiz, tanto por meu envolvimento pessoal quanto pelas questões políticas. Foi muito difícil ter que esperar tanto tempo para ver o filme na tela por motivos políticos e por causa da pandemia.
Marighella é um filme muito importante para os dias que estamos passando. Tenho certeza de que o filme irá acontecer mesmo que não tenha tanto público quanto teria antes da pandemia.
Apesar de já ter uma experiência de set monstruosa, esse é o primeiro longa-metragem de Wagner Moura como diretor. Todas as nossas conversas que antecederam o projeto foram fundamentais para entender o que o Wagner queria.
Fotos: Ariela Bueno, Fabio Bouzas e Fernanda Frazão
Uma dessas militantes nos disse que decidiu se jogar da janela do Hospital das Clínicas porque não aguentava mais ser torturada por um médico. O filme tem uma cena parecida. Os torturadores não queriam matá-la porque ainda pretendiam extrair informações dela. Ela só não morreu porque caiu em cima de um carro. Eram histórias emocionantes e muito importantes para nossa preparação. Isso entrou dentro de nós.
Wagner é um cara muito visceral. Uma cena que tinha três páginas no roteiro poderia render um plano de seis minutos sem corte. O Improviso estava incorporado. Em uma sequência, o frei fala que Jesus era preto. Essa cena foi criada pelo Pastor Henrique Vieira, que é um dos atores do filme e trazia questões interessantes que decidimos incluir.
Na cena do choque elétrico, tivemos que interromper a filmagem porque o ator Jorge Paz caiu e se machucou. O envolvimento dramático era muito forte e ele disse que estava bem e queria seguir, mas não tinha condição, estava mesmo machucado. O nível de intensidade era alto. Tivemos que parar e terminar apenas no dia seguinte. Bel Berlinck, produtora executiva, fez questão de levá-lo para ser examinado no hospital. Precisávamos mesmo de alguém como ela, com a cabeça no lugar, pois estávamos todos imersos naquele clima.
Gabriela Cassaro fez uma pesquisa de filmes da época e filmes políticos, Costa-Gavras, “A Batalha de Argel”, irmãos Dardenne, etc. A arte trouxe referências visuais da época, que foram fundamentais para que aprendêssemos, e assim começamos a desenvolver o conceito de Marighella
“Marighella” é uma história que aconteceu no auge da Ditadura Militar. Entendemos rapidamente que não seria um filme que deveria ter firulas ou pirotecnias. Queríamos que os espectadores acreditassem naquela história e naquelas imagens. Apesar de estar iluminado e cenografado, buscamos um caminho muito realista. A direção de arte de Frederico Pinto e a luz deveriam ser reais.
Tivemos um elenco espetacular que teve uma preparação muito intensa com Fátima Toledo. Os ensaios envolviam uma entrega muito forte. Eu ficava preocupado quando os atores chegavam no set porque eles já vinham com uma temperatura altíssima. Combinei para que trouxéssemos os atores no último momento, pois uma vez no set, teríamos que filmar.
Foram convidados ex-integrantes da ALN (Ação Libertadora Nacional) para que nos contassem o que viveram. Escutamos, emocionados, relatos de situações vividas por eles, assim como também técnicas de torturas utilizadas pela polícia e militares.
Wagner sabia o que queria, uma linguagem documental em que a câmera seguisse os atores e ficasse próxima a eles. Acredito que filmamos 90% do filme com 3 objetivas de 28mm, 40mm e 65mm. Todo o filme foi feito com câmera na mão e a única sequência com tripé foi uma situação de telejornal.
Pelo desgaste físico e também para poder ficar mais próximo do Wagner, convidei Ariel Schvartzman para compartilhar a operação de câmera comigo, pois gosto muito de operar câmera, mas sabia que não poderia operar durante todo o filme.
Mesmo cenas fixas ou aproximações eram na mão, a câmera passeava de um ator ao outro.
Hoje vejo muito sentido em tudo. Acho que está totalmente inserido no conceito, já que a ideia era transmitir uma constante sensação de incômodo.
Em cenas de diálogos com dois atores, sem cortes, você precisa saber a hora de sair do rosto de um e ir até o outro sem interromper a fluidez da conversa. Quando os dois não aparecem em quadro ao mesmo tempo, um deles estará sempre com a voz em off. Às vezes, você está enquadrando o rosto de um ator e precisa mover a câmera no meio de uma frase para mostrar a reação do interlocutor. Em vez de fazer o plano e contraplano, a gente fazia a câmera entrar na emoção.
Na preparação, meus assistentes Diogo Ribeiro, Yuri Seid e Eduardo Duque Pimenta deixaram a câmera o mais leve possível. A bateria do corpo câmera, o video link e o motor de foco e íris foram retirados e deixados em uma mochila à parte. Filmamos com a ARRI ALEXA Mini (ainda não existia a LF).
Luciano Foca, da O2 Pós, foi o colorista, que se envolveu muito e me ajudou a encontrar a textura de “Marighella”. Fiz testes de com objetivas diferentes e simulei situações que enfrentaria com os atores, levamos esse material para a correção de cor e desenvolvemos uma marcação realista e que simulasse os anos 60.
Optei por usar objetivas ARRI Ultra Primes porque queria aproveitar o máximo possível a luz natural e não ter flares indesejáveis, por exemplo, quando você tem uma janela em quadro, pois aquela luz pode invadir os rostos dos atores. Eu precisava de lentes que ainda me dessem uma certa sujeira, mas que me permitissem colocar as altas luzes no seu devido lugar.
Filmamos no aspecto 2:1, que traz esse elemento do documentário, da realidade. Eu não queria fazer um cinemão 2.35:1. É um filme de época, o que dificultaria alguns enquadramentos se fosse 2.35:1. Correríamos o risco de vazar elementos atuais, sobretudo nas cenas de rua, onde nosso controle sobre os cenários é menor, e daria mais trabalho para a direção de arte. Também me preocupei muito com a ideia de filmar 2.35:1 na mão porque poderia dar uma sensação vertiginosa exagerada.
O conceito de iluminação principal de “Marighella” era não fazer a luz aparecer.
Só filmávamos o ponto de vista dos nossos personagens, nunca o outro lado, pois a ideia era tentar transmitir o que eles sentiam sendo permanentemente vigiados e perseguidos.
Na sequência da reunião de planejamento do assalto ao banco, filmamos com duas câmeras. A locação era um apartamento em Santa Cecília durante o dia. No filme, o local era usado pelos ativistas como um aparelho e por isso havia folhas de jornal que cobriam os vidros da janela. Como filmaríamos durante muitas horas, decidi colocar um 18KW HMI no prédio em frente. Eu tinha medo de não poder contar com a luz natural. Chegou a anoitecer e continuamos a filmar.
O filme tem poucas luzes desenhadas. Acho que estou cada vez mais simples nesse sentido. Prefiro tirar proveito da iluminação prática que já está nos ambientes e foi fundamental a minha relação com o Diretor de Arte, Frederico Pinto. No máximo, crio mais um ponto de luz de acordo com as possibilidades, mas ainda assim sempre procurando reproduzir a iluminação que aconteceria naqueles cenários.
Trabalhamos com muitas texturas nas paredes e nos figurinos. Verônica Julian, figurinista, entendeu que o digital não tem grão, que perdemos textura e que as tramas das roupas funcionam melhor. Era um time bastante maduro, que tinha também o maquiador Martin Trujillo, que é um mestre. As peles estavam sempre brilhando ou suadas.
Às vezes assumo o escuro mesmo, sem intervenções. Alguns lugares que os militares usavam para fazer as torturas eram casas ou galpões abandonados. Era algo clandestino, então não era iluminado. Eu colocava uma ou duas lâmpadas e simulava a luz de algum poste que vinha da rua.
Na cena em que Marighella é assassinado, foi difícil descobrir como seria a iluminação de uma rua de São Paulo, em Santa Cecília, na década de 1960. Na vida real, deve ter sido uma escuridão. Tínhamos fotos da época. Reproduzimos postes com lâmpadas de sódio. Chegamos também a gelatinar e a usar ARRI SkyPanels em girafas.
As sequências de ação foram muito planejadas, fizemos storyboards e também ensaios com os atores nas locações, onde os fotografávamos e às vezes até gravávamos.
O plano-sequência inicial do trem foi muito bem desenhado. Foi uma sequência complexa, toda noturna. O gaffer Joel Júnior precisou preparar as lâmpadas de todas as cabines. Usamos lâmpadas diferenciadas, mais potentes, ligadas em uma energia separada, que não dependesse da máquina do trem. O vagão das armas é um cenário construído dentro de um vagão vazio.
Os personagens atravessam vários ambientes do trem, com diferentes luzes, passam pela locomotiva e vão até a cabine do maquinista, depois voltam para o compartimento das armas. Em determinado momento, o trem ainda está em movimento e você vê o carro acompanhando na pista paralela. Precisamos criar 20 postes, que foram instalados por nós com uma distância de 10 metros entre cada um. Era como se estivéssemos em uma área metropolitana.
Foi duro, mas foi a sequência mais preparada de “Marighella”. Primeiro escolhemos a locação e fizemos um passeio no trem. Em outro dia, fizemos um ensaio com o trem parado para afinar o acting. Depois, voltei uma terceira vez com Júnior apenas para ver a iluminação. Fomos várias vezes antes de filmar, mas na hora de filmar não dava para repetir muito. Acho que foram cinco ou seis takes.
Nas cenas da Bahia, precisávamos transmitir para o espectador, de forma rápida, que estávamos no Nordeste. Criamos um visual mais solar, com uma cor diferente de São Paulo e do Rio de Janeiro.
Em Cachoeira, aproveitamos as luzes da cidade. A única coisa que fizemos foi uma manutenção na iluminação pública na ponte de ferro, pois algumas lâmpadas não estavam funcionando.
Gosto muito da sequência final, do banho de mar do menino, com música de Gonzaguinha. O orçamento já tinha acabado e não teríamos como mobilizar toda a equipe para fazer mais uma diária. Decidimos ir na folga. Os assistentes e o ator Francisco Matheus toparam. No dia que antecedeu essa diária, terminamos de filmar à meia-noite, viajamos e chegamos na praia às 3h da madrugada. Dormimos até as 10h da manhã e fomos fazer essa sequência. Foi incrível, era dia de Iemanjá, que nos brindou com um céu lindo, foi emocionante.
No Festival de Berlim, o filme foi exibido no Berlinale Palast. A projeção foi incrível, o filme tocou muito as pessoas, que aplaudiram de pé. Nunca tinha visto uma projeção tão grande de um filme que fotografei.
Wagner é muito corajoso, muito sério e envolvido, tem uma energia contagiante. Sou muito grato a ele e a Bel Berlinck, produtora executiva, pela fantástica experiência de ter filmado “Marighella”.
Adrian Teijido começou a se envolver com fotografia ainda adolescente, estimulado pelos pais que trabalhavam no setor audiovisual. Depois de experiências de aprendizado no laboratório de revelação do Museu Lasar Segall e no filme “Pixote: A Lei do Mais Fraco” (1981), como estagiário do fotógrafo Rodolfo Sanchez, iniciou a carreira profissional no cinema e no mercado publicitário. Trabalhou como assistente de câmera durante cinco anos na Última Filmes com o diretor e fotógrafo Ronaldo Moreira. Ao longo de 40 anos, assinou a cinematografia de filmes como “O Palhaço” (2011), “Gonzaga: De Pai pra Filho” (2012), “Elis” (2016), “Sergio” (2020) e “Medida Provisória” (2020), além de séries televisivas como “Filhos do Carnaval” (2006), “A Pedra do Reino” (2007), “Narcos” (2015-2019), “Irmandade” (2019) e “Dom” (2021), entre outros projetos. Foi oito vezes vencedor do Prêmio ABC (Associação Brasileira de Cinematografia), três vezes ganhador do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro e recebeu o troféu Kikito no festival de Gramado com “Um Homem Só” (2016), entre outras premiações de direção de fotografia. É sócio da ABC e foi presidente da associação entre 2016 e 2017. Nasceu em Buenos Aires em 1963 e mudou-se com a família para o Brasil aos quatro anos de idade.