O TERRITÓRIO
Antes do Documentário
“O TERRITÓRIO”,
já usávamos os celulares para registrar, além de câmeras analógicas, de filme mesmo. Tínhamos só esse tipo de equipamento e sempre fizemos alguns registros, mas não tínhamos a habilidade de divulgar. Agora conseguimos pensar em ideias e projetos com mais divulgação e distribuição.
Foi um processo demorado até surgir esse pensamento de fazermos um filme juntos. Sempre tive essa vontade de conhecer as coisas, pegar, conhecer as coisas novas, por isso tive essa paixão, esse estímulo e desejo de começar a mexer com a câmera. Hoje em dia, em tudo o que eu faço, viagens, trabalhos, tiro fotos e filmo. É uma das coisas que mais gosto de fazer. Eu não tinha essa habilidade ainda. Quando Alex Pritz e os colegas dele vieram, a gente já tinha a curiosidade de poder utilizar aquele material, aquela câmera enorme que eles tinham. Me apeguei bastante a esse desejo de conhecimento.
Eu penso muito no futuro. Hoje estou como fotógrafo e futuramente as crianças que estão crescendo poderão ter acesso ao meu trabalho ou de outros. Daqui a dez, vinte anos, os meninos que eram crianças vão assistir ao meu trabalho, tanto visual, como na leitura mesmo, porque eu pretendo fazer outros tipos de trabalho futuramente. Penso em registrar as histórias e lendas da gente, escrevendo e também filmando. Estamos conversando sobre isso também com Alex e com outras pessoas que trabalham comigo, para produzirmos cinema indígena mesmo, com cinegrafistas indígenas bem treinados. Nós mesmos fazendo nossos próprios filmes e, assim, divulgando nosso trabalho, contando nossa própria história. Essa é a ideia.
Hoje em dia mostramos de tudo um pouco, as florestas, o que achamos importante.
O que mais gosto de filmar é nossa cultura, a história mesmo. São coisas que podem acabar, então busco formas de registro, pela escrita e pelos filmes.
Acredito que o entendimento da imagem, do filme, é diferente pra nós porque isso tudo que estamos aprendendo também é novo. Nossas histórias e nossas lendas estão se acabando aos poucos, de forma geral. Os jovens hoje em dia não dão tanta atenção às nossas histórias antigas. Não tem mais muito interesse em aprender os costumes, as coisas estão mudando. Então acho importante a gente tentar contar a história, filmando, escrevendo, garantindo que esteja registrada, para que no futuro nossa existência não suma. Sabemos quantos indígenas, ao longo do tempo mudaram suas línguas e crenças. Temos vontade de recuperar isso hoje em dia. Acho que a forma de permitir essa recuperação no futuro está justamente no registro, para a juventude que eventualmente deseje resgatar esses hábitos e costumes. Meu foco é esse, para daqui a cinco anos fazer filmes das histórias indígenas e lendas… Tem lendas que são engraçadas, tem lendas de ação, coisas que dá para a gente fazer.
Temos uma história, por exemplo, do homem que criou a mulher. Isso está na bíblia, mas na nossa história também existe essa lenda. Essa seria uma história que eu acharia interessante de filmar, a partir da nossa perspectiva, que serviria também como uma aula, coisas para a sala de aula.
Nem tudo o que a gente planeja vai de fato acontecer. A gente tem que trabalhar sempre com a possibilidade de um plano B. Por exemplo, eu trabalho como professor, tenho um pouco de tempo para essas outras coisas. Se eu for mudar minha carreira para cinegrafista mesmo, fotógrafo, acredito que vou precisar fazer um curso, me especializar, estudar mais profundamente, me formar, para poder fazer um trabalho bacana mesmo. Tem uns três ou quatro jovens Uru-Eu que sabem filmar e mexer em drone, mas são coisas novas para nós indígenas.
Usamos muito o drone como uma arma também, como uma forma de se defender. Essa visão do drone foi de muita ajuda para a gente não se aproximar do perigo, por exemplo. Porque com ele conseguimos ter uma visão do alto, ver as derrubadas, ver onde estão as invasões, aí conseguimos evitar chegar de cara com o perigo. Nunca se sabe como os não-indígenas vão reagir e se eles tiverem armas, por exemplo.
A gente sabe que os não-indígenas que trabalham com a gente muitas vezes excluem partes das histórias na hora da montagem ou mesmo do roteiro. Já eu, quero trabalhar para ir até o final. Cada lenda tem um título, cada título tem um final. Algumas partes que eu filmei, por exemplo nesses trabalhos em parceria, não foram usadas, talvez porque estivessem com o som ruim ou com algum outro problema, mas isso depende de cada um, pois tem coisas que ficam sem serem contadas. Por isso quero muito fazer trabalhos em que nós possamos contar nós mesmos essas histórias. A gente estuda, por exemplo, o ano em que o Brasil foi descoberto, com a história de um indígena, só que a gente sabe que são várias etnias e cada etnia tem sua própria história, sua própria língua, seus costumes, seu modo de falar e de viver. Se nós criarmos nosso próprio livro, com certeza seria muito melhor para dar conta dessa nossa diversidade, seria muito interessante.
CONTATO E NEGOCIAÇÃO
A relação com a equipe do projeto “O Território” foi intermediada pela Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, ONG de Neidinha Bandeira, com quem a gente sempre teve parceria. Ela é a favor do meio ambiente, bem ativa. Falamos para ela que não queríamos apenas uma fotografia, que queríamos uma coisa a mais, que a gente pudesse levar para os outros mundos conhecerem nossa história. Quando apresentaram o Alex para nós, já tínhamos essa troca com Neidinha, que colocou também nossos termos para a troca. Como foi ela quem intermediou a conversa sobre a realização do filme em nossa aldeia, nós confiamos, porque ela trabalha há muito tempo com a gente. No início, ficamos um pouco em dúvida se deveríamos confiar ou não. Conversamos e conversamos e dissemos que não queríamos participar de uma filmagem que ficasse só pelo Brasil, que queríamos que tudo fosse divulgado para fora, que todo mundo pudesse conhecer nossa história.
O Alex chegou com uma equipe pequena. Acho que só três pessoas vieram com ele para as filmagens. Ele chegou, se apresentou e foi de boa, tranquilo.
Toda a parte de filmar os não-indígenas, por exemplo, ficou com Alex. Fizemos essa divisão porque para nós seria arriscado, então ficamos trabalhando no nas terras do nosso território mesmo. No filme tem algumas pessoas que falam que não nos conhecem pessoalmente, que nunca tiveram contato com indígenas. Na verdade, a parte do território que essas pessoas falam é uma ponta, um lugar que a gente não frequenta muito. É por isso que eles falam que nunca tiveram contato com a gente. Mas a gente conhece todas as partes de nosso território e a gente sabe onde tem e onde não tem invasões.
A cena do velório quem fez também foi Alex porque eu ia ficar muito tenso, muito triste.
Divisão na
DIREÇÃO DE FOTOGRAFIA
Tudo começou por conta da pandemia, quando eles não podiam mais vir trabalhar com a gente, então nos disponibilizamos para trabalhar com eles e nós mesmos fazermos as filmagens. Éramos três e decidimos dividir o trabalho, um usava o GPS, o outro o Drone e eu fiquei com a câmera. Antes, nós tivemos um treinamento básico para melhorar o uso e aperfeiçoar a imagem e assim fui aprendendo. Foi muito importante para mim, porque é uma troca de conhecimento. Tudo que eu faço para mim é troca de conhecimento.
Entrou a pandemia e então pensamos: “Bem, se você não vai poder entrar, nós mesmos podemos filmar”. Não precisava Alex fazer esse trabalho todo sozinho, foi onde a gente passou a estruturar nosso próprio tempo para poder ajudar na filmagem. No início, eu tinha muita dificuldade de mexer. Por isso recebi instruções, aulas virtuais para poder mexer na câmera. Foi o que me permitiu ter o conhecimento suficiente para fazer o trabalho, para poder filmar.
Essa ideia veio de Bitaté, o que o mais aparece na filmagem, em várias cenas do filme. Ele é presidente da nossa comunidade. Digamos que ele é o cacique geral. Se fosse para nós contarmos a história toda, não seria muito diferente, mas eu estaria contando a história da minha própria luta.
Eu nunca tinha tido treinamento antes. Recebemos treinamento quando eles precisaram de nós para prosseguir com a filmagem. A gente fez uma pequena reunião, online mesmo, fui aprendendo os detalhes e mexendo com a orientação virtual deles. Ainda pretendo aprender muito mais a respeito. Temos esse pensamento de articular o que aprendemos para colaborar com a comunidade, a favor das aldeias, a partir das coisas que acontecem no nosso dia-a-dia.
No início eu tive dificuldade com as coisas, com foco, por exemplo. Porque a câmera tem um foco automático em um ponto. Se eu quiser mostrar só a borboleta, tem como colocar o foco só na borboleta. Isso foi uma coisa que eu aprendi e não sabia antes. A imagem sai perfeita, é como se eu tivesse olhando com meus próprios olhos, é uma das coisas que eu descobri. É bem interessante.
Nós recebemos o kit completo para fazer as filmagens, uma câmera 4K. Tinha kit de lentes e também equipamentos de apoio, como o tripé para ajudar nas filmagens.
CENA de AÇÃO
A parte que eu filmei foi o momento da ação, quando fomos lá e abordamos o homem invasor. Nesse momento da revista, Alex não estava presente. Não estava porque, quando a pandemia chegou, ele não podia entrar mais na aldeia, mesmo estando vacinado. Então ficamos tomando conta da câmera e a gente fez o trabalho, só nós indígenas mesmo.
Fiquei cinco dias fazendo trabalho de filmagem no mato, quase uma semana. Foi cansativo, mas valeu a pena. Nesses cinco dias ficamos dormindo na floresta mesmo, não tinha como voltar para casa porque era muito longe, uns 80 quilômetros.
Já era feito um o trabalho de monitoramento nessa região que fomos filmar. Antigamente não tinha tanta derrubada e desmatamento por ali. Há uns dois ou três anos atrás aumentou muito o número de pessoas invadindo e derrubando. Teve até o loteamento daquela área. Nós saímos para filmar ali imaginando que poderíamos encontrar alguém, tinha esse risco. Planejamos ao máximo porque sabíamos desse risco. E foi exatamente o que aconteceu. A gente foi fazer o nosso trabalho com a intenção de não pegar ninguém, mas como o cara estava por lá, tivemos que abordar e depois entregamos para a polícia.
Naquele momento, eu já estava com tudo preparado na câmera, conforme tinha que estar. No momento em que encontramos com o cara, não tinha como fazer a imagem perfeita, não podia ficar ali ajeitando nada, mas eu tinha na minha cabeça o que queria filmar. Foi tudo muito rápido, não tinha como tentar regular a imagem na hora e nem nada do tipo.
Essa cena de ação aconteceu em um momento em que estávamos caminhando e escutamos o barulho da moto se aproximando. Nessa hora, senti medo, pois não sabíamos quantas pessoas eram ou quem seriam. Fiquei nervoso, ali no centro da selva. Eu estava ali com a câmera, pronto e preparado. Fizemos uma tocaia, com meus parentes todos em volta, escondidos, só que eu com a câmera ligada. A minha posição não estava certa, mas estava difícil de sair daquele local. A minha cabeça dizia assim: “Você tem que focar naquele cara ali”. Me mantive firme nessa posição meio esquisita para conseguir fazer a filmagem melhor possível. Depois, quando comecei a me acalmar um pouco, foi dando certo e foi o que saiu na imagem. Foi tudo muito rápido, só que nesse muito rápido eu também fui muito rápido para poder pegar todos os ângulos, tanto de longe como de perto. Me senti mais protegido porque estava perto dos meus parentes. Eram meus parentes contra o cara e o cara contra nós, mas éramos mais numerosos. Ele não tinha como reagir, então fiquei perto dos parentes e assim me senti mais seguro enquanto captava as imagens.
Só vimos o filme completo depois que ficou tudo pronto, já finalizado. Não tinha mais como eu tirar uma parte e tentar modificar.
Para mim foi diferente do que imaginei porque eu não estava presente em várias coisas que foram filmadas. Eu não tinha essa imaginação de como seria, mas Alex colocou nossa história verdadeira ali. Acho que isso é o mais importante.
Esse filme beneficiou a nossa comunidade por muitas coisas, além de nós sermos reconhecidos pelo mundo todo, por outros países. Por conta dessa movimentação, estamos agora conseguindo construir um ponto turístico na aldeia para a gente poder expandir nossos conhecimentos, guardar os equipamentos e receber pessoas. Brevemente vai estar pronto esse centro de turismo no nosso território. Essa era uma ideia antiga que não tínhamos ainda conseguido tirar do papel. Depois do filme, chegaram para nós outros projetos e possibilidades de troca, por isso conseguimos colocar em prática esse nosso planejamento.
Depois que o filme começou a rodar em festivais, eu viajei para alguns lugares convidado para as exibições, na Europa, em Nova York, em Los Angeles…
Foi muito interessante, muito frio também. Encontrar com outros artistas, pessoas que fazem filmes, foram os encontros que mais gostei. Tinha um tradutor comigo, Gabriel, que ia me contando tudo que as pessoas falavam. Foi muito bom para mim fazer essas viagens.
Sou viciado em filmes, principalmente de comédia e de ação.
Nessas viagens que fiz para fora, andei conhecendo muita coisa. Eu imaginava, na minha cabeça, que o filme era só você filmar ali durante uma ou duas horas e acabou. Mas não… tem todos os procedimentos que eu descobri. Tem áudio, copiar músicas, pessoas falando… Uma das coisas que gostei muito ao entrar nesse universo foi, por exemplo, na minha última viagem a Hollywood, onde alguns dos meus filmes favoritos foram criados. Nessas viagens tenho conhecido muitas pessoas que fazem filmes. Estou conseguindo encontrar e conhecer os diretores e atores que admiro. Os colegas traduzem que eu também já fiz filme.
Ficha TÉCNICA
Direção: Alex Pritz
Direção de Fotografia: Alex Pritz e Tangãi Uru-Eu-Wau-Wau
Câmeras adicionais: Jordan Pinheiro da Cruz, Leslye Davis e Kuaimbú Uru-Eu-Wau-Wau
Estagiário de câmera: Fábio Nascimento
Direção de arte: Hodja Diallo Berlev
Montagem: Carlos Rojas e Alex Pritz
Colorista: Natasha Wong
Supervisão de cor: Seth Ricart
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Mini BIO
instagram.com/tangai_uru_eu_/
theterritoryimpact.org
Tangãi Uru-Eu-Wau-Wau é integrante da Associação Jupaú, que coproduziu “O Território” e atua na defesa, na conservação, no fortalecimento e na vigilância do povo Uru-Eu-Wau-Wau, na região do estado de Rondônia, Norte do Brasil. Ele assina a direção de fotografia junto com Alex Pritz, diretor do longa-metragem. “O Território” venceu dois prêmios no festival de Sundance em 2022 e também foi premiado nos festivais de Telluride e Zurique, entre outros. Darren Aronofsky, Sigrid Dyekjær e Txai Suruí estão entre os produtores do filme. Apresentado internacionalmente pela National Geographic e distribuído pela O2 Play no Brasil, o documentário ficou entre os 15 pré-finalistas do Oscar 2023 e está disponível na plataforma Disney Plus.