Sobrepostas
Por Milena Seta
introdução
Certo dia, no início de 2020, recebi um convite feito pelo produtor executivo Camilo Cavalcanti e um e-mail das diretoras de cena maravilhosas Lívia Cheibub e Martina Sönksen.
No e-mail, elas já introduziram um pouco sobre o projeto, um programa de TV que estavam produzindo para o Canal Brasil.
A proposta era que a apresentadora (Ana Cañas) recebesse mulheres cis e trans para compartilharem suas histórias de sexo e autoconhecimento, desconstruindo o tabu da sexualidade feminina.
A abordagem dos temas é sobre a perspectiva de mulheres que são protagonistas das suas próprias narrativas. As trocas têm o intuito de naturalizar o assunto, nos incentivando a olhar para as nossas questões e estimular a confiança para nos auto revelarmos.
A ideia foi criar um espaço seguro de escuta e troca. A estética para as cenas ficcionais seria ditada pela emoção e pelo sentimento que as histórias contadas nas entrevistas trouxessem.
A intenção também era subverter a linguagem dos programas “clássicos” de entrevistas. Ao longo da série, as cenas ficcionais iriam ilustrar as experiências compartilhadas pelas convidadas. Imagens sensoriais e pornográficas, buscando uma revalorização do corpo, cada um com a sua subjetividade e experiência.
Fizemos um primeiro call para nos conhecermos e conversarmos sobre o projeto. O match foi à primeira vista.
A paixão pela série era mútua.
A partir daí começamos a mergulhar fundo e ter trocas diárias, fizemos inúmeras reuniões com as cabeças de cada departamento (e pra isso a escolha da minha equipe também foi essencial) e tínhamos um GRANDE desafio:
Conseguir entregar e realizar cada um dos episódios em muito pouco tempo, com muitas limitações e com uma verba geral bem pequena para todos os departamentos (eu por exemplo, levei vários objetos da minha casa pra ajudar na direção de arte hahaha, que foi feita pela minha amiga talentosíssima Tamara Soriano).
A troca era mútua, uma ajudando a outra, sempre com vontade e muito respeito.
O formato do programa tem uma proposta mais desconstruída, tanto em relação à narrativa quanto em relação à linguagem.
“A estética será́ ditada pela emoção, pelo sentimento que as histórias contadas trouxerem”, esse sempre foi o fio condutor para as cenas ficcionais, que tinham a intenção de ter um tom naturalista (tanto na luz quanto nos movimentos), cinematográfico e ao mesmo tempo beirando o documental.
A entrega foram 13 episódios de 15 minutos cada, cada um com um tema específico sobre sexualidade dentro do universo feminino:
1. Primeiro relacionamento
2. Masturbação
3. Ménage
4. Motel
5. Jorro
6. Sexo após HIV
7. Orgasmo
8. Sexo oral
9. Primeira transa
10. Sexo menstruade
11. Sex Toy
12. Primeiras sensações de prazer
13. BDSM
• 1 diária pré light
• 7 diárias entrevistas + cabeças + introduções.
• 4 diárias cenas ficcionais.
O cronograma era MUITO apertado (tanto de pré, quanto de filmagem e de pós também) e a logística foi bem agitada.
Tínhamos pouco tempo e pouca verba para realizar tudo da forma que gostaríamos, mas, dentro do que tínhamos, ficamos muito felizes e satisfeitas com o resultado e principalmente com o processo, que foi de muito aprendizado.
Nessa matéria vamos falar especificamente das cenas ficcionais, embora o programa tenha um formato de TV, com entrevistas, cabeças e introduções.
LOCAÇÃO
Tivemos 2 dias de visitas de locação na pré, com 4 opções de casas.
Havíamos escolhido uma delas dentre as outras, a que mais funcionava para nós. Porém, por motivos de desistência da moradora, tivemos que nos adaptar em outra locação.
Precisávamos de uma casa com muitos ambientes, pois tínhamos 13 episódios diferentes para cumprir.
A casa era térrea, o que nos ajudou bastante em relação ao workflow, o pé direito tinha aproximadamente 3 metros, mas, no geral, os ambientes eram pequenos, o que me limitou um pouco em relação aos enquadramentos, mas deu certo!
Usamos os seguintes ambientes para cada episódio das cenas ficcionais:
Primeiro relacionamento
Quarto 2 e laje
Masturbação
Quarto sem mostrar locação (planos fechados)
Ménage
Sala 1
Motel
Quarto 4
Jorro
Sala 1
Sexo após HIV
Quarto 3
Orgasmo
Sala 2
Sexo oral
Sala 2
Primeira transa
Banheiro
Sexo menstruade
Lavanderia
Sex Toy
Sala 1
Primeiras sensações de prazer
Quarto e externas sem muito
o background (planos fechados)
BDSM
Cozinha
ABORDAGEM VISUAL
As diretoras (Lívia e Martina) já tinham muito na cabeça o que elas queriam em relação a estética.
Havia inspirações trazidas por elas, conectando a narrativa com toda a parte visual (fotografia, arte, figurino), o formato, linguagem, etc.
Para a parte de entrevistas e cabeças, por exemplo, elas trouxeram uma referência em específico de um dos trabalhos da artista estadunidense Carrie Mae Weems, “Kitchen Table Series”.
Entre outras inspirações, estavam ainda Alex Prager, séries como “Sex Education” e filmes como “Retrato de uma Jovem em Chamas” e “Carol”.
Houve muitas trocas, pesquisas, conversas.
Para as cenas ficcionais as inspirações vieram muito mais das nossas próprias experiências e vivências do que de outros filmes, sejam eles pornôs ou não. E, contando que as diretoras têm o documental como principal referência, muitas das cenas buscam criar esses cenários que flertam com o real, com o cotidiano.
O tema das primeiras vezes, por exemplo, traz junto muitas das nossas próprias memórias. Como o nosso time é formado majoritariamente por mulheres, buscar em nós mesmas a forma de criar essas cenas foi um processo natural e, inclusive, coletivo.
Então, além de o programa ter conseguido juntar profissionais muito talentosas, o que é visível no resultado final, existiu uma simbiose, algo potente que aconteceu quando mulheres se juntaram para escutar e representar a história de outras mulheres.
A fotografia valoriza o sensorial, a intimidade da câmera com a pele, as texturas dos corpos e seus contornos. É para fazer sentir na pele, sem pressa e bem de perto. O equilíbrio perfeito entre uma abordagem realista, quase documental, e uma sensação poética e cinematográfica para criar ainda mais emoção.
EQUIPAMENTOS
Tive que pensar em uma estratégia em relação à equipe e aos equipamentos que coubesse no orçamento do projeto e, ao mesmo tempo, conseguir chegar numa estética que acreditávamos.
A intenção era:
Pensar em uma fotografia que fosse aconchegante, que tivesse uma luz suave e naturalista, texturas macias e ao mesmo tempo sharps, dando ênfase às
peles
pelos
poros
e suas nuances.
Buscar um conceito de cor mais “otimista” e ao mesmo tempo criar um visual que seja atemporal.
Alcançar um paradoxo visual entre o suave e o nítido, o que também funciona muito bem com a variedade de tons de pele e texturas.
Tínhamos duas listas de câmera:
uma para as entrevistas e cabeças de introdução do programa, e outra para as cenas de ficção.
Nas diárias de ficção, conseguimos uma parceria linda com o André Manfrim, pela qual eu optei de olhos fechados, pois mesmo limitada a esse kit atendia às expectativas, embora adaptadas… hahaha!
Usei uma ARRI Alexa mini com o jogo esférico das Zeiss standard 2.1 (16mm, 24mm, 32mm, 50mm, 85mm).
Também usei filtros difusores como o Glimmerglass e o Hollywood Black Magic, variando de episódio para episódio, de acordo com o conceito de cada programa. Gosto da combinação dos dois filtros, que suavizam as peles, as bordas e os detalhes de uma maneira única, enquanto adiciona um brilho suave para destacar as altas, mantendo as informações nas baixas.
Ultimamente eu tenho usado bastante a mistura desses 2 filtros.
Optei por filmar em UHD, Proress 4444XQ. Por ter tido um tempo limitado de pós, logisticamente precisávamos já ir convertendo o material no set. Então a logger ficou responsável diariamente por essa função.
Agradeço por todos os parceiros que nos ajudaram com os equipamentos:
• André
• Vini Piran
• 22 Locações
ILUMINAÇÃO
A lista de luz que eu tinha era bem pequena e adaptada dentro da nossa estrutura. Por isso e pelo tempo curto que tínhamos para filmar tudo com uma equipe bem reduzida, na maioria dos eps eu utilizei de uma fonte única, outros de 2 fontes, outros só luz natural.
Tudo dependia da logística e do orçamento .
A proposta da iluminação sempre foi conduzida em parte pelo desejo de manter as coisas naturais, mas também pelo conceito poético e otimista do projeto.
Uma das linhas condutoras era destacar a sensorialidade e permear entre o documental e o cinematográfico.
Estabelecermos uma estética naturalista, trazendo poesia e verdade para as cenas.
As temperaturas de cor variam dentro dos episódios, tornando mais um veículo para conduzir sensações ao público.
Minha Chefe de elétrica Barbara Lopes , parceira de vida e amiga eterna, somou muito com a sua sensibilidade e técnica, desde a pré produção até a pós produção.
Fomos criando paralelamente e bem juntinhas o mood de cada episódio.
ACOLHIMENTO
Como a gente sempre quis criar essa roda de afeto e ter uma casa que fosse um lugar seguro para a conversa acontecer, esse espaço já era acolhedor por si só.
As diretoras conversavam e preparavam os atores na copa da cozinha enquanto a nossa figurinista Celina Spolaor separava os looks. Um lugar de memórias de casa de vó.
A relação com os atores começa muito antes das filmagens. Lívia e Martina se envolvem muito com cada um dos atores e atrizes.
Para elas, era primordial que os atores sentissem prazer nas cenas. Quando a gente passava as cenas pela primeira vez no cenário pronto, era muito legal vê-los adentrando esse espaço.
O casting era formado por atores e artistas que trabalham no pornô amador, pessoas dissidentes do pornô “tradicional”, outros vieram do teatro. Todos são profissionais e pessoas muito queridas. A nudez e a troca com outros corpos é algo muito mais natural para eles.
O nosso processo de feitura desse programa foi de costura coletiva. Todas as profissionais envolvidas trouxeram algo muito delas para a elaboração e execução do programa. Muito foi co-criado e foi surgindo como fruto desse encontro. Foi uma gestação coletiva.
CENAS FICCIONAIS POR EPISÓDIO
É vital recuperar o direito à própria sexualidade, para que possamos o quanto antes começar a criar novas memórias e dar novos significados ao amor.
O processo de roteiro e concepção dos episódios passou pela inspiração em cada uma das convidadas. Assim, cada cena ficcional de cada episódio tinha claramente um objetivo, uma atmosfera e um arco narrativo que conduziu as decisões de fotografia e direção de arte.
PROCESSO DE COLOR
Antes de falar sobre cor, quero ressaltar o parceiro de muitos projetos Alex Lopes, uma pessoa super profissional, com um olhar sensitivo e que soma muito em diversos projetos que fazemos juntos.
O caminho que fomos buscando era tentar encontrar uma arte mais lúdica, mas trazendo muito para a vida real, pois as cenas ficcionais captadas não deixam de ser reais.
Misturamos as linguagens no color, pensando nas sutilezas do ficcional x documental.
Prezamos pelas verdades dos corpos, das peles, das texturas.
Cuidamos muito em respeitar e valorizar os tons de pele, lembrando que o projeto transitou em várias escalas cromáticas de peles.
Agradecimento
Especial
Sou muito grata por ter tido essa oportunidade e poder usufruir de tantas experiências satisfatórias e ensinamentos esclarecedores que serviram como espelhos de nós mesmas.
Agradeço a cada um da equipe de todos os departamentos, que foram tão especiais e essenciais.
Conseguimos concluir com amor, afeto, e uma pincelada de talento de cada profissional que fez a diferença pro resultado final.
Em especial a minha equipe de fotografia mini porém gigante e parceira demais <3:
Barbara
Vini
Carlinhos
Lais
Fernanda
Joice
Daniel
Zuga – (2 diárias ficção)
Alex
Fotos de making of – Natália Arjones
FICHA EQUIPE TÉCNICA:
Criação e Direção: Lívia Cheibub e Martina Sönksen
Produção: Camilo Cavalcanti, Lívia Cheibub e Martina Sönksen
Clariô Filmes e Wild Galaxies
Apresentação: Ana Cañas
Convidadas: Luedji Luna, Josyara, Bianca Mepe, Bru Toledo, Preta Kiran, Marina Vergueiro, Thaís Mayume, Fernanda Bourbon, Eva Coutinho, AJ Ardas, Jen Pereira, Amanda Deja Puja e Anna Gabrielle.
Elenco Ficção: Anna Blue, Verônica Lins, Nego Catra, Aquele Mario, Tormenta Cósmica, Lorie, Miss Nox.
Roteiro: Safira Moreira, Martina Sönksen e Lívia Cheibub.
Direção de Fotografia: Milena Seta.
Produção Executiva Camilo Cavalcanti
Coordenação de Produção: Sofia Vontobel
Coordenação de Casting: Deah Pinheiro
Assist. de Direção: Tati Rabelo
Assist. de Pesquisa: Thainã Andrade
Produção de Elenco Aquele Mario e @lelineira
Direção de Arte: Tamara Soriano
Produção de Arte: Fernanda Selva
Assist. de Arte: Pedro Drunska e Pedro P. Millan
Som Direto: Juliana Santana
1ª Assist. de Câmera Entrevistas: Marília Morais
1º Assist. de Câmera Ficção: Daniel de Santi
2ª Assist. de Câmera e Vídeo Assist: LAISTX
Câmera 2ª Unidade: Fernanda Pinheiro
Steadicam 2 diárias: Zuga
Parceiro: Vini Piran
Chefe de Elétrica: Bárbara Lopes, DAFB
1º Assist. de Elétrica: Vinicius Torres dos Santos
2º Assist. de Elétrica: Gabriel Vigali
Chefe de Maquinária: Carlos Santos Grip
Figurino: Celina Spolaor
Assist. de Figurino: Juliana Ferrão
Produtora Ana Cañas: Juliana Periscinotto
Beleza Ana Cañas: Leo Ferreira
Beleza Convidadas: Ester Ganev
Montagem e Finalização: Natália Farias
Logger e Assist. de Montagem: Joice Temple
Assist. Montagem: Angelo Medeiros
Designer & Still: Natália Arjones
Mixagem: Eber Pinheiro
Trilha de Abertura: Alex Vaz
Colorista: Alex C. Lopes
Produção Locação: Bel Aquino
Assist. de Produção de Locação: Bia Vieira
Assist. de Produção: Ciça Oliveira e Beatriz Veloso
EQUIPE CANAL BRASIL
Coordenação de Projetos e Conteúdo: Marina Pompeu
Gerência Financeira: Luiz Bertolo
Gerência de Marketing: Camila Roque
Gerência de Negócios, Produção e Digital: Gesiele Vendramini
Direção de Programação e Aquisição: Alexandre Cunha
Direção Geral: André Saddy
Equipamentos:
22 Locações
André Manfrim
MR5 Locações
André Manfrim
Casa do Produtor
Cia do TP
Locadora F8
Locadora Full Frame
Catering: Umami Gastronomia
Transporte: LICS Executive Transfers, Águia Truck Transportes, Cinevan
Segurança: Claudinei Custodio, Marcel Damas Prodossimo, Renato de Souza Francisco
Bombeira: Amanda de Oliveira Santos
Limpeza: Inovar Serviços de Limpeza, Espedita Raymundo dos Santos
Operador de TP: Edinho One, Felipe Augusto, Marco Aurélio Rodrigues e Salvador Azeredo
Agradecimentos:
Céu Handmade
Cisô Atelier
Climaxxx
Copacabana Lab
Insecta Shoes
Janiero Body of Colours
Liquidificador de Cor
Loungerie
Melissa
MyBasic
Nuasis
Terezas
Vini Piran
Zé Delivery
MINI BIO
Milena Seta é fotógrafa cinematográfica e still. Entre 2014 e 2016, teve experiências no departamento de câmera em diversos projetos como assistente. Nos últimos anos, tem atuado como diretora de fotografia. Na publicidade, trabalhou para marcas nacionais e internacionais, como Nike, Boticário, Samsung, Audi, Natura, Motorola, Hershey´s, Elle e Converse. Fotografou videoclipes de cantoras e cantores como Liniker, Linn da Quebrada, Jaloo e Ricochet, entre outros. Para as revistas Vogue e Noize, produziu conteúdos documentais com Gal Costa, Xênia França, Iza, Marina Sena, Barbara Paes e Céu, entre outras artistas. Seus trabalhos mais recentes são longas-metragens, curtas, séries e documentários, como “Odu” (curta de Viviane D’Avilla), “Perda” (longa de Viviane D’Avilla), “Elas Estão Só Começando” (ESPNW), “Mi Bici y Yo” (Disney Channel), “Exploradores” (Disney Jr), “Falas de Orgulho” (Globoplay), “Fête de la Musique: L’homme Statue” (Coquetel Molotov e Loïc Koutana) e “Apenas um Coração Selvagem” (cinebiografia de Belchior).