Cinematografia Brasileira

CURTA-METRAGEM

TAMO JUNTO

Por Fydell Botti e Pedro Conti

Eu nunca havia trabalhado com animação, mas sempre tive muita vontade. A oportunidade apareceu com “Tamo Junto”. É um trabalho todo manual, exceto nos momentos de renderização. A direção de fotografia do curta é assinada conjuntamente por mim e pelo diretor do filme, Pedro Conti. Muita coisa já estava definida antes de minha entrada no projeto. Quando cheguei, trouxe novas referências. Além de Pedro, havia uma equipe para mexer nas ferramentas com as quais eu não estava familiarizado.

No trabalho com animação, principalmente se não houver um bom orçamento, todos os movimentos precisam ser bem pensados. Não dá para sair apontando a câmera para onde quiser. Não dá para testar uma posição para ver depois se funciona. A sua pré-produção precisa ser muito bem feita porque tudo é caro e demorado, com um tempo de render que não ajuda. Isso me levou a aprender a ser mais preciso nos enquadramentos, algo que posso levar para filmes em Live Action. Eu não tinha ideia do quanto era caro e de como você tem que ser cirúrgico.

A tecnologia é bem bizarra. Confesso que fiquei muito assustado ao ver que nada é impossível na animação. Colocar a câmera a 15 metros de altura é a coisa mais simples. Fazer ela se aproximar do personagem usando o movimento de Dolly In junto com um movimento de Boom, de baixo para cima, é a coisa mais tranquila do mundo. Não preciso de um monte de maquinaria pesada para isso.

SIMULAÇÃO DE LENTES
E ILUMINAÇÃO

Simular textura de lentes é outra coisa muito bacana. Nesse caso, é muito parecido como o Live Action. Você define o vidro que quer usar e os plugins que simulam. Se em uma cena ou outra você achar que deve trocar a distância focal e mudar a profundidade de campo, também rola. Nesse caso, é quase parecido, mas você só não tem um jogo de lentes e nem um range de distâncias focais limitado. O céu é o limite! No geral, podemos simular qualquer tipo de lente, inclusive lentes anamórficas, o caso do “Tamo Junto”.

Nas ferramentas usadas para iluminar, você tem o controle de posição, altura, intensidade, natureza, temperatura, tudo ao alcance da sua mão. Tem coisas muito interessantes quando você ilumina uma cena na animação. Se você quer uma natureza ultra bounce com um ressalto em uma Butterfly de 6×6 como no Live Action, não precisa ter a cabeça de luz, o Butterfly com o pano específico para ter algo similar. Tudo isso está em uma única fonte, você tem o controle dela sem limite de tamanho para a fonte. Facilmente você a direciona, coloca a altura que quiser. Se você precisa fazer tudo isso em um plano muito aberto, consegue deixar as fontes invisíveis com um click.

A câmera do 3D funciona como uma camera física, temos controle de abertura do diafragma, ângulo do obturador, balanço de branco, etc. A única diferença é a escala que trabalhamos, um pouco menor do que a escala real. Com isso, conseguimos ter um pouco mais de rebatimento de luz.

LUZ VERMELHA

O espaço e o tempo das cenas refletem o momento de vida e os sentimentos do personagem. Com isso, não criamos parâmetros com a luz de lugares reais, como Jaçanã, onde se passa a história. O Conti e eu queríamos explorar o máximo da linguagem das cores pra contar de forma imagética o sentimento que o personagem estava sentido ou como a vida dele estava no momento. Usamos essas ferramentas para nos ajudar a contar a história.

Nós tínhamos algumas metáforas e símbolos nesse filme. A cor vermelha era uma delas, pois ela simboliza a morte naquela cena em que o personagem está lembrando da perda da mãe. Colocamos a cor vermelha nessa cena para trazer esse simbolismo. Durante a narrativa, ela se repete pontuando que ali tem ou teve morte. Na mesma imagem, a câmera tremida vem para acentuar esse sentimento de “desespero” que o momento traz. Os planos são mais apertados para dar ênfase ao esforço que o personagem faz pra não perder quem ele ama. O trem faz referência à música “Trem das Onze”, de Adoniran Barbosa. Tentamos trazer elementos da cultura local do bairro para dentro do nosso filme. Usando o trem como uma metáfora para a vida e também usando essa sequência para mostrar um trauma do personagem sem necessariamente levar o espectador para esse lugar sombrio de perda. É um assunto delicado para lidar, então tentamos abstrair um pouco.

LUZES NATURALISTAS

Na iluminação que simula a entrada de luz natural em ambientes fechados, a forma de pensar é exatamente como no Live Action. Procuramos entender que horas são na narrativa e a que altura o sol deveria estar. A mesma lógica serve para definir questões de espaço e tempo.

No 3D, temos uma liberdade bem grande para movimentar a posição do sol. Na posição da fonte, para simular o sol, eu fiz exatamente como eu faço em Live Action. Nas internas-dia, simulei uma fonte maior, como um bounce, para fazer a luz de preenchimento entrando pela janela e uma outra fonte simulando uma luz um pouco mais dura entrando pelas janelas e grades do corredor, etc. Claro que, dependendo da hora e do clima na narrativa, essa configuração muda, mas basicamente todas as internas-dia foram iluminadas com luzes entrando de fora para dentro.

Nas externas-dia, a ideia era fazer a luz ser o mais naturalista possível. Na cena que simula a passagem das horas rapidamente, parece complexo, mas na prática somente animamos a posição do sol no tempo que tínhamos para o plano. As sombras são geradas automaticamente. Para aumentar ou diminuir a sua intensidade, você precisa colocar um fonte para fazer essa função.

Trabalhamos nesse filme da seguinte forma: Todas as externas-dia vão ser luz naturalista e à noite luz diegética. Nas internas noturnas, dentro da casa, colocamos abajures pra iluminar o ambiente. Nos outros espaços, usamos “lâmpadas”, que na verdade eram fontes no teto. No corredor, o que se vê dentro do quadro são lâmpadas que colocamos. Fora do quadro, são fontes mais artificiais. Dentro do quadro, tudo o que você consegue ver são lâmpadas criadas por nós. O que era fora de quadro ou o que não permite identificar a origem são fontes artificiais do próprio programa.

Podemos definir alguns objetos, superfícies e materiais como emissores de luz também. O telefone celular, por exemplo, tinha uma certa luminosidade que também interagia com a cena. Adicionamos também uma luz presa ao celular para ter um desenho mais bonito nos personagens.

ENQUADRAMENTOS E MOVIMENTOS DE CÂMERA

A lógica dos enquadramentos é a mesma de um filme Live Action. Ainda estamos lidando com artes visuais. Uma das coisas que o Pedro Conti me disse quando me convidou para fazer o filme foi que ele queria deixar tudo mais cinematográfico e realista, próximo do que se faz no Live Action. Então, tentei enquadrar da maneira mais cinematográfica possível, dentro do conhecimento que possuo até aqui. Tentei, pelo menos, usar as mesmas lógicas que usaria com uma câmera real.

Os movimentos de câmeras são feitos através de curvas de animação e keyframes. Digamos que você queira que a câmera saia do ponto A e vá para o ponto B. Simplesmente setamos um keyframe no ponto A e movemos a camera até o ponto B, depois controlamos a velocidade de início e fim através de curvas. Também podemos adicionar camera shake (simulando uma câmera na mão) e coisas do tipo para deixar o movimento mais orgânico.

A experiência foi demais. Quero ter a oportunidade de fazer outros filmes de animação, mas o Live Action ainda ocupa o maior espaço no meu coração e a maior parte do meu tempo. Não tenho a pretensão de fazer só animação.

MINI BIO

www.fydellbotti.com.br

Nascido no Rio de Janeiro, Fydell Botti é membro da Associação Brasileira de Cinematografia (ABC) e estudou na Academia Brasileira de Cinema. É integrante do coletivo Sporas, rede internacional multi-étnica que conecta o trabalho de diretores de fotografia de todo o mundo. Fotografou videoclipes de artistas como Pericles, Drik Barbosa, DJ Zullu, Rebecca, Elza Soares, Priscila Tossan, Luke Diamante, Bia Ferreira e Dilsinho, além de comerciais de marcas como Sadia, Nestlé, Skol, Mitsubishi, Budweiser, Facebook, Uber e Jeep. Assinou a direção de fotografia dos curtas-metragens “Bravoz Ubuntu” (2021), “O Ato” (2020), “Quebra Amar” e “O Melhor de Ir É Poder Voltar” (também como diretor). Na TV, foi fotógrafo da série documental “O Enigma da Energia Escura”, apresentada pelo cantor Emicida e produzida pelo Lab Fantasma para a Globoplay e o canal GNT. Com vozes de Criolo, Emicida e Luciana Silveira, o curta “Tamo Junto” (2021), de Pedro Conti, é seu primeiro trabalho com a linguagem da animação.

Pedro Conti

www.pedroconti.com

Nascido e criado em São Paulo, Pedro Conti tem uma longa carreira na indústria de animação internacional. Atua como diretor, produtor, diretor de fotografia, diretor de arte e production designer, com participação em projetos de estúdios como Walt Disney Animation Studios, Dreamworks, Paramount Pictures, Marvel, Nickelodeon e Skydance. Produziu ainda animações para artistas da música, como Katy Perry, Gorillaz, Racionais MCs e Ron Artis II. As histórias que conta através de seu trabalho de diretor são contadas com um grande coração e muitas vezes exploram tópicos com os quais todos podemos nos relacionar através das lutas da vida cotidiana.

Assine nossa Newsletter

Inscreva-se para receber novidades da Iris Cinematografia

Inscrição realizada com sucesso!